sábado, 3 de novembro de 2012

A "Oferta Sincera" do Evangelho - Cheung


A doutrina em questão tem sido chamada de “a livre oferta”, “a oferta bem intencionada” e “a oferta sincera” do evangelho.[1] Minha posição é que ela faz Deus parecer um tolo esquizofrênico. Ela é antibíblica e irracional, e deve assim ser rejeitada e combatida.

Primeiro, não sabemos de antemão quem está arrolado entre os eleitos e quem está arrolado entre os não eleitos, e a Escritura nos ordena a pregar a todas as pessoas. Portanto, não devemos por nós mesmos tentar determinar quem são os eleitos, quem são os não eleitos e então pregar o evangelho somente àqueles que consideramos eleitos. Ao contrário, devemos indiscriminadamente pregar o evangelho a todos os homens.

Por outro lado, é errado e pecaminoso pregar o evangelho como se houvesse uma chance para até mesmo os não eleitos alcançarem fé e serem salvos, como se Deus estivesse sinceramente lhes dizendo que deseja sua salvação e que eles poderiam ser salvos (Lucas 10.21; João 6.65). Não sabemos o conteúdo preciso do decreto de Deus na eleição (no que diz respeito a quem são os eleitos e quem são os não eleitos), e por isso não devemos agir como se isso fosse do nosso conhecimento. Todavia, isto não significa que ao pregar o evangelho devemos falar como se a eleição fosse falsa.
Ao contrário, devemos deixar claro em nossa mensagem que Deus seriamente ordena cada pessoa, seja eleita ou não eleita, a crer no evangelho, tornando assim a crença uma obrigação moral de cada pessoa ― aqueles que assim o fizerem serão salvos e aqueles que não o fizerem serão condenados. Mas não devemos apresentar isso como uma “oferta sincera” de salvação por Deus inclusive dos não eleitos.

Fé vem somente como uma dádiva soberana de Deus, e Deus imutavelmente decidiu negar esta dádiva aos não eleitos e ativamente endurecê-los; portanto, oferecer sinceramente salvação aos não eleitos, como se fosse desejo de Deus eles serem salvos e como se fosse possível eles serem salvos, seria mentir a eles em nome de Deus. Não existe oferta de salvação real ou sincera aos não eleitos; somente uma ordem real e séria que eles jamais podem obedecer, uma ordem que Deus fará cumprir contra eles com fogo infernal.

Novamente, isto não nos impede de pregar indiscriminadamente o evangelho a todos os homens, já que não é nem o nosso direito nem o nosso dever selecionar os eleitos e pregar somente a eles, ou selecionar os não eleitos e excluí-los. O ponto é que não devemos apresentar o evangelho como uma oferta sincera a todas as pessoas, como se o “desejo” de Deus pudesse diferir do seu decreto, como se Deus pudesse ou tivesse decretado contra o seu “desejo”[2] e como se fosse mesmo possível os não eleitos serem salvos. Antes, devemos apresentar o evangelho como uma ordem séria a todas as pessoas, como se a todos fosse ordenado crer (Atos 17.30) e como se Deus pretendesse chamar os eleitos e endurecer os não eleitos pela mesma pregação do evangelho (2 Coríntios 2.15-16).

Em outras palavras, o conteúdo e a pregação do evangelho poderiam e deveriam ser totalmente consistentes com as doutrinas da eleição e da reprovação, bem como com todas as outras doutrinas relacionadas. Para muitos, afirmar a “oferta sincera” é meramente uma desculpa para crer como um calvinista e pregar como um arminiano.

Consequentemente, quando pregamos o evangelho (quando estamos lidando com a graça que salva) não deveríamos dizer aos nossos ouvintes que Deus os ama a todos, mas ousadamente declarar que Deus ama somente os eleitos e deseja (e assim tem decretado) a sua salvação, e que odeia os réprobos e deseja (e assim tem decretado) a sua condenação (Romanos 9.13).
À luz disso, resumiremos agora o entendimento e a abordagem bíblica para o evangelismo.

Somos obrigados a indiscriminadamente pregar o evangelho a todos os homens por pelo menos três razões: 1. Deus nos ordena a pregar o evangelho a cada pessoa, 2. Não sabemos e não deveríamos tentar descobrir de antemão quem são os eleitos e quem são os réprobos, e 3. O propósito da pregação do evangelho não é somente chamar os eleitos, mas também endurecer os réprobos.

É certo e adequado proclamar que Deus deseja salvar somente os eleitos e escolheu somente eles para salvação, e que concederá fé somente a eles, de modo que somente eles podem crer. E é certo e adequado proclamar que Deus deseja condenar os réprobos e escolheu-os para condenação, e que não somente lhes negará a fé, como também ativamente endurecerá suas mentes contra o evangelho, tornando impossível sua crença.

Assim como não deveríamos e não poderíamos descobrir de antemão quem são os eleitos e quem são os réprobos, nossos ouvintes não deveríam tentar determinar por si mesmos se estão entre os eleitos ou entre os réprobos e então fazer disso a base para clamar ou não a Deus por salvação. Em outras palavras, ouvindo o evangelho, uma pessoa não deveria dizer a si própria: “Deus salva somente os eleitos, e de qualquer forma, estou provavelmente entre os réprobos; assim, eu não deveria nem mesmo tentar buscar a Deus para salvação”. De fato, é possível que a pessoa que obstinadamente pensa desta forma, mesmo quando confrontada com uma exposição clara do evangelho da graça soberana, seja realmente um dos réprobos e Deus tenha optado por confirmar essa pessoa em sua condenação através desse engano persistente.

Ao invés de ocultar ou distorcer o decreto eterno de Deus aos nossos ouvintes quando pregamos o evangelho, deveríamos explicar as verdades de relevância imediata para o pecado e a graça, e para a eleição e a reprovação. Mais do que isso, deveríamos apresentar a eles o sistema completo de doutrinas bíblicas da forma mais clara e abrangente possível conforme nossa habilidade e tempo disponível (Atos 17.23-31; Mateus 28.19-20; Lucas 14.27-33). E então admoestar nossos ouvintes a sincera e fervorosamente buscar a Deus por salvação através de Cristo pelos meios de graça, como oração, audição de sermões e leitura da Bíblia.

Porque seria impossível sinceramente buscar ou clamar a Deus a menos que seu poder já estivesse operando no coração da pessoa, aqueles que de fato obedecem e invocam a Deus com sinceridade para salvá-los por meio de Cristo estão certamente entre os eleitos, nos quais Deus já começou sua obra soberana de conversão. Mas aqueles que insincera ou superficialmente obedecem e que após um pouco de tempo sucumbem, ou aqueles que de fato se recusam a obedecer, estão entre os não eleitos, havendo Deus endurecido suas mentes ainda mais através da pregação do evangelho (2 Coríntios 2.15-16; 2 Tessalonicenses 1.8).

Portanto, a pregação do evangelho não é nem diminuída nem tornada restrita e seletiva pelo fato de rejeitarmos a assim chamada “oferta sincera” do evangelho. Antes, o que foi dito acima representa uma aplicação consistente e necessária dos ensinos explícitos e implícitos da Escritura sobre a soberania de Deus, a eleição e a reprovação, e a pregação do evangelho. Representa uma visão bíblica e coerente que valoriza a pregação do evangelho e de fato a divulgação do sistema completo de doutrinas bíblicas a todos os homens em todos os lugares. Além do mais, essa visão reconhece aquilo que a Escritura ensina explicitamente sobre o propósito e o efeito da pregação indiscriminada do evangelho, a saber, chamar os eleitos e endurecer os réprobos.[3]
1. Esses termos nem sempre são usados com consistência ou precisão, e por isso compreendem um conjunto restrito de significados. Também é verdade que nem todos que negam a “oferta sincera” creem exatamente nas mesmas coisas. Portanto, aqueles que afirmam a “oferta sincera” poderiam se ver concordando comigo em certos pontos, enquanto outros que afirmam a “oferta sincera” poderiam discordar desses mesmos pontos. Da mesma forma, nem tudo o que eu afirmo sobre ou contra a “oferta sincera” se aplica igualmente a todos que afirmam o ensino. Em adição, aqueles que afirmam a “oferta sincera” são amiúde inconsistentes em sua linguagem. Por exemplo, alguém poderia condenar aqueles que negam a “oferta sincera” e então passar a discorrer sobre o assunto como se ele se referisse a uma “ordem”, como se uma oferta e uma ordem fossem a mesma coisa, quando de fato não são. Essas inconsistências tornam mais difícil uma discussão precisa sobre o assunto. Outro motivo para confusão é que aqueles que afirmam a “oferta sincera” fazem amiúde suposições injustificadas sobre aqueles que a negam. Por exemplo, alguns desses que afirmam a “oferta sincera” assumem que aqueles que a negam estariam necessariamente se opondo à pregação do evangelho indiscriminadamente a todos os homens. Mas isto não é verdade ― esses que negam a “oferta sincera” poderiam ainda indiscriminadamente pregar o evangelho a todos os homens, mas fariam isso por uma razão diferente e com base num entendimento diferente da situação. Assim, a melhor maneira de se beneficiar de nossa breve discussão é considerar as crenças reais com as quais estou lidando, seja em minhas afirmações ou negações, e não necessariamente a forma como o termo é usado em um caso específico ou por uma pessoa específica. Por exemplo, poderia ser o caso de você ser alguém que afirma a “oferta sincera”, mas acha que não estou tratando do assunto exatamente da maneira que você crê. Em casos como este é melhor considerar as próprias crenças a que estou me referindo ao invés de atentar se você as consideraria ou não uma parte necessária daquilo que deve ser matéria de crença de quem afirma a “oferta sincera”.
2. A Escritura ensina que Deus decreta aquilo que ele deseja ― isto é, a sua “boa vontade” ― e aquilo que deseja, ele decreta e torna certo. Dabney tenta preservar a “oferta sincera” afirmando que existem motivos complexos em Deus, e que assim, embora por uma perspectiva Deus pudesse genuinamente desejar a salvação dos não eleitos, outro motivo ou razão mais forte em Deus poderia sobrepujar tal desejo, e esta seria a razão de ele não ter escolhido salvar os não eleitos. Parece a Dabney que essa explicação preserva tanto a sua crença na eleição divina de somente alguns para salvação, como, num sentido, o desejo genuíno de Deus de salvar a todos. Todavia, mesmo se aceitarmos o que Dabney diz sobre os motivos complexos em Deus no tocante ao decreto divino de somente alguns para salvação e então no tocante à pregação do evangelho, o motivo mais forte para selecionar somente alguns para salvação  sobrepujou o desejo genuíno de salvar a todos (assumindo que de fato exista este desejo); de forma que nem mais o decreto divino, nem mais a pregação do evangelho expressam ou admitem qualquer desejo em Deus de salvar a todos. Em outras palavras, ainda que os motivos de Deus sejam complexos, o decreto e a pregação não o são; mas é precisamente do decreto e da pregação que estamos falando. Portanto, ainda que Dabney esteja certo sobre os motivos complexos em Deus, isso é irrelevante para a nossa discussão.
3. Veja David Engelsma, Hyper-Calvinism and the Call of the Gospel e Common Grace Revisited para mais sobre este assunto.





Extraído: cheung

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